sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013
Postado às 20:13 por Sarah Fuidio em Diário de bordo 1 comentário
Olá, pessoal! Desculpa não ter postado fotos até agora, peguei permissão hoje para postá-las na internet. Já que mexe com organizações e projetos, não podia simplesmente pegar e publicá-las online.
Hoje arregalei os olhos 5:30 da manhã, esse fuso horário me deixa louca. Também, são QUINZE horas de diferença com o Japão, a cabeça dá um nó mesmo. Chega a hora de dormir no Japão e eu fico mooooole que só. Acordei e, escondida da minha mãe, comi Doritos. Percebendo, claro que me deu uma bela bronca hahaha quanta saudades estava de fazer algo tonto as pressas escondida e, depois de ser pega, levar aquela bronquinha hahaha. Escrevi o post de ontem no blog e lá pelas 8, não me aguentando mais, deitei e dormi até 11:30. Sarah, ninguém quer saber disso, o nome é diário mas não é para tanto. Ok, entendi.
Hoje fui com meu pai para uma comunidade em El Salvador, San Ignácio, chamada "Cantón El Carmen". Neste local (comparado com o de ontem é bem melhor) tem 16 alunos que se juntam em uma casa de outra aluna que empresta cadeiras, a sala, e deixa de vez em quando a luz ligada. No começo era escuro e os alunos tinham que colocar a tarefa para fora, no sol, para enxergar o que estava escrito. Chegando, muitos vieram me abraçar desejando boas vindas. Que povo alegre, de bem com a vida...
Logo depois chegou atrasada uma mulher com uma sacolinha, um canudinho amarrado nela e coca-cola dentro. Comprar bebidas de 3 litros aqui é bem mais em conta. Aí também percebi a diferença do grupo de ontem com o grupo de hoje, o grupo de ontem não teria condições nem de comprar o saquinho... Meu pai levou frutas e as distribuiu para o grupo todo, o qual comeu com uma vontade que deu até gosto de se ver.
Tivemos que ir buscar por 20 minutos adubo na cidade próxima e no meio do caminho, meu pai me mostrou uma pedra láááá no alto da montanha que se chama 'Cayaguanca', a qual tem a forma de um rosto de um índio.
A lenda dela é: Havia um índigena que se
apaixonou pela filha do cacique, mas, pelo fato do moço não ter riquezas, o pai da moça não permitiu a paixão e mandou prendê-lo em uma pedra, para morrer de fome e frio. O índigena inundou a aldeia com suas lágrimas (as pedras abaixo dele em forma de escada), as quais pedrificaram junto com seu rosto no mesmo local.
Voltando para a comunidade, demos continuidade à lição de hoje. Hoje eles aprenderam primeiramente como fazer um adubo natural em casa. Adoraram a ideia e quando o senhor da cidade vizinha veio entregar alguns quilos de outro adubo, fizeram fila trazendo suas bacias para levar para casa. Em espanhol, chamamos de 'repelente', e muita gente precisou da explicação do meu pai para entender o que significava aquela palavra tão complexa.
Logo depois a aluna de mais de 50 anos veio toda contente trazer um sabão natural para meu pai. Ela disse que é bom para lavar a cabeça, que não dá caspa e que gosta pois é tudo reaproveitado de comida. Nesse caso, o sabão foi feito com cinzas e de semente de azeitona e cheira muito... mal. Acrescentou que gosta dele pois não precisa gastar dinheiro com shampoo e que é fácil de fazer quando não tem outro jeito de lavar o corpo e cabeça por falta de dinheiro.
Recebendo a parte da apostila de hoje, começaram a ler baixinho cada um em seu canto, com aquele brilho nos olhos. A lição de hoje, como a de ontem no outro grupo, era sobre "bem estar". Começando com uma explicação sobre o que essa palavra significava, eles começaram a escrever. O grupo é muito mais avançado do que o outro; começaram a ser alfabetizados no final de agosto e estão lendo tudo agora. Sendo uma vez questionados sobre "o que é bem estar", todos começaram a falar como o famoso 'mercado de peixes', termo bem usado na época da minha primeira série. Já que acabaram os "quadrângulos", como foi dito por um dos alunos, os que quiseram fizeram mais retângulos e escreveram mais palavras/frases ligadas com a palavra "bem estar". Enquanto reclamamos que trabalhamos muito, que estamos cansados e queremos alguns dias livres, eles lutam e procuram por algo para tirar o dinheiro do almoço de todos os dias. Olha a palavra que essa senhora achou que se ligava com "bem estar":
Outra, por sua vez, disse que estar "enfermo" é estar com problemas e dores, não só de cabeça ou barriga, mas também no coração, na alma. Seu neto foi morto e desde então ela não consegue entrar em contato com sua filha por telefone, já que ambas não o possuem. Assim, está com problema 'nos nervos' e com 'a alma doendo'.
Ontem esqueci de colocar outra história bem comovente que a mulher contou nos poucos minutos que foi sentar com meus pais para fazer sua prova. O marido foi para os Estados Unidos, trabalhou um mês e mandou dinheiro para família. A família contente com o resultado, recebeu no próximo mês um telefonema dos EUA dizendo que seu marido teria morrido ao cair de uma escada. Até hoje ela espera informações e o corpo do marido, que não chega, não avisam e nem ao menos ela tem certeza se aquilo foi um trote ou uma informação real.
Andando pela sala, um senhor me chamou a atenção. Toda vez que eu passava ele colocava seu exercício na minha frente e me pedia para corrigir. Se eu dizia que estava errado, ele corrigia alegremente e repetia a palavra várias vezes, como se fosse para não esquecer mais. Já que sempre tive vergonha de conversar em espanhol, apesar de entender quase 100%, não consigo expressar o que penso rapidamente e o japonês e inglês sempre estão lá na ponta da língua para me atrapalhar de alguma forma. Mesmo assim, lá vou eu tentando falar que as letras estão invertidas ou estão faltando. Aquilo se repetiu várias vezes: eu passava e o senhor pedia para corrigir. Quando acabou a aula, ele arrumou tudo em sua bolsa de pano e a segurou com força, com carinho e cuidado. Os outros apenas a seguravam pela alça, mas ele não, ele a segurava no formato do papel, para não amassar ou sujar. A carência e alegria do tal me lembraram a de uma criança.
Resumindo: o lugar de hoje foi simplesmente sensacional. O brilho nos olhos das pessoas ao conseguir entender um enunciado, a alegria ao ser chamado lá na frente para escrever alguma palavra na lousa ou até mesmo o orgulho de si mesmo ao contar uma coisa engraçada e receber como resposta a risada alta de seus colegas foi algo contagiante.
Essas experiências, além de tudo, me fizeram perceber que nunca é tarde para correr atrás dos nossos sonhos e que mesmo no meio de tantas dificuldades, é possível concretizar nossos objetivos. Daqui pra frente, vou tentar lembrar de como sou abençoada por ter a vida que tenho e desfrutar o máximo possível de que posso, espero que vocês façam o mesmo.
Hoje arregalei os olhos 5:30 da manhã, esse fuso horário me deixa louca. Também, são QUINZE horas de diferença com o Japão, a cabeça dá um nó mesmo. Chega a hora de dormir no Japão e eu fico mooooole que só. Acordei e, escondida da minha mãe, comi Doritos. Percebendo, claro que me deu uma bela bronca hahaha quanta saudades estava de fazer algo tonto as pressas escondida e, depois de ser pega, levar aquela bronquinha hahaha. Escrevi o post de ontem no blog e lá pelas 8, não me aguentando mais, deitei e dormi até 11:30. Sarah, ninguém quer saber disso, o nome é diário mas não é para tanto. Ok, entendi.
Hoje fui com meu pai para uma comunidade em El Salvador, San Ignácio, chamada "Cantón El Carmen". Neste local (comparado com o de ontem é bem melhor) tem 16 alunos que se juntam em uma casa de outra aluna que empresta cadeiras, a sala, e deixa de vez em quando a luz ligada. No começo era escuro e os alunos tinham que colocar a tarefa para fora, no sol, para enxergar o que estava escrito. Chegando, muitos vieram me abraçar desejando boas vindas. Que povo alegre, de bem com a vida...
Logo depois chegou atrasada uma mulher com uma sacolinha, um canudinho amarrado nela e coca-cola dentro. Comprar bebidas de 3 litros aqui é bem mais em conta. Aí também percebi a diferença do grupo de ontem com o grupo de hoje, o grupo de ontem não teria condições nem de comprar o saquinho... Meu pai levou frutas e as distribuiu para o grupo todo, o qual comeu com uma vontade que deu até gosto de se ver.
Tivemos que ir buscar por 20 minutos adubo na cidade próxima e no meio do caminho, meu pai me mostrou uma pedra láááá no alto da montanha que se chama 'Cayaguanca', a qual tem a forma de um rosto de um índio.
(Cayaguanca fonte aqui) |
apaixonou pela filha do cacique, mas, pelo fato do moço não ter riquezas, o pai da moça não permitiu a paixão e mandou prendê-lo em uma pedra, para morrer de fome e frio. O índigena inundou a aldeia com suas lágrimas (as pedras abaixo dele em forma de escada), as quais pedrificaram junto com seu rosto no mesmo local.
Voltando para a comunidade, demos continuidade à lição de hoje. Hoje eles aprenderam primeiramente como fazer um adubo natural em casa. Adoraram a ideia e quando o senhor da cidade vizinha veio entregar alguns quilos de outro adubo, fizeram fila trazendo suas bacias para levar para casa. Em espanhol, chamamos de 'repelente', e muita gente precisou da explicação do meu pai para entender o que significava aquela palavra tão complexa.
Logo depois a aluna de mais de 50 anos veio toda contente trazer um sabão natural para meu pai. Ela disse que é bom para lavar a cabeça, que não dá caspa e que gosta pois é tudo reaproveitado de comida. Nesse caso, o sabão foi feito com cinzas e de semente de azeitona e cheira muito... mal. Acrescentou que gosta dele pois não precisa gastar dinheiro com shampoo e que é fácil de fazer quando não tem outro jeito de lavar o corpo e cabeça por falta de dinheiro.
Recebendo a parte da apostila de hoje, começaram a ler baixinho cada um em seu canto, com aquele brilho nos olhos. A lição de hoje, como a de ontem no outro grupo, era sobre "bem estar". Começando com uma explicação sobre o que essa palavra significava, eles começaram a escrever. O grupo é muito mais avançado do que o outro; começaram a ser alfabetizados no final de agosto e estão lendo tudo agora. Sendo uma vez questionados sobre "o que é bem estar", todos começaram a falar como o famoso 'mercado de peixes', termo bem usado na época da minha primeira série. Já que acabaram os "quadrângulos", como foi dito por um dos alunos, os que quiseram fizeram mais retângulos e escreveram mais palavras/frases ligadas com a palavra "bem estar". Enquanto reclamamos que trabalhamos muito, que estamos cansados e queremos alguns dias livres, eles lutam e procuram por algo para tirar o dinheiro do almoço de todos os dias. Olha a palavra que essa senhora achou que se ligava com "bem estar":
Outra, por sua vez, disse que estar "enfermo" é estar com problemas e dores, não só de cabeça ou barriga, mas também no coração, na alma. Seu neto foi morto e desde então ela não consegue entrar em contato com sua filha por telefone, já que ambas não o possuem. Assim, está com problema 'nos nervos' e com 'a alma doendo'.
Ontem esqueci de colocar outra história bem comovente que a mulher contou nos poucos minutos que foi sentar com meus pais para fazer sua prova. O marido foi para os Estados Unidos, trabalhou um mês e mandou dinheiro para família. A família contente com o resultado, recebeu no próximo mês um telefonema dos EUA dizendo que seu marido teria morrido ao cair de uma escada. Até hoje ela espera informações e o corpo do marido, que não chega, não avisam e nem ao menos ela tem certeza se aquilo foi um trote ou uma informação real.
Andando pela sala, um senhor me chamou a atenção. Toda vez que eu passava ele colocava seu exercício na minha frente e me pedia para corrigir. Se eu dizia que estava errado, ele corrigia alegremente e repetia a palavra várias vezes, como se fosse para não esquecer mais. Já que sempre tive vergonha de conversar em espanhol, apesar de entender quase 100%, não consigo expressar o que penso rapidamente e o japonês e inglês sempre estão lá na ponta da língua para me atrapalhar de alguma forma. Mesmo assim, lá vou eu tentando falar que as letras estão invertidas ou estão faltando. Aquilo se repetiu várias vezes: eu passava e o senhor pedia para corrigir. Quando acabou a aula, ele arrumou tudo em sua bolsa de pano e a segurou com força, com carinho e cuidado. Os outros apenas a seguravam pela alça, mas ele não, ele a segurava no formato do papel, para não amassar ou sujar. A carência e alegria do tal me lembraram a de uma criança.
Resumindo: o lugar de hoje foi simplesmente sensacional. O brilho nos olhos das pessoas ao conseguir entender um enunciado, a alegria ao ser chamado lá na frente para escrever alguma palavra na lousa ou até mesmo o orgulho de si mesmo ao contar uma coisa engraçada e receber como resposta a risada alta de seus colegas foi algo contagiante.
Essas experiências, além de tudo, me fizeram perceber que nunca é tarde para correr atrás dos nossos sonhos e que mesmo no meio de tantas dificuldades, é possível concretizar nossos objetivos. Daqui pra frente, vou tentar lembrar de como sou abençoada por ter a vida que tenho e desfrutar o máximo possível de que posso, espero que vocês façam o mesmo.
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Sarah, que lindo!
ResponderExcluirSeus pais fazem um belo projeto na América Central, infelizmente nós esquecemos ou apenas evitamos lembrar que existem pessoas carentes pelo mundo a fora.
É triste, ver que nem todos os indivíduos tem acesso aos frutos do capitalismo. Isto, devido à condição que foram submetidos no passado! No entanto, encaram a vida de forma alegre e feliz, ao contrário de muito, que possuem quase tudo e passam horas, dias, anos, reclamando da vida. São pessoas guerreiras e batalhadoras!